Por Isabella Gonçalves
O seco corta a garganta e interrompe a palavra. Marielle Franco foi covardemente executada no centro da cidade do Rio de Janeiro na noite da última quarta-feira, dia 14/03, assim como o companheiro Anderson Gomes. Pensaram que iriam calar Marielle, mas no dia seguinte as cidades de todo o Brasil se enchem de luto e luta. Manifestações massivas tomaram as ruas das principais capitais, marchas dos debaixo que sentem que perderam uma das suas. Sim, Marielle era nossa. Mulher negra e de luta, vereadora lésbica e favelada, a sua existência desafiava a desesperança na política, o ódio e o racismo em tempos de golpes.
Para que Marielle chegasse a ser a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro foi preciso muito mais do que uma campanha eleitoral. Marielle é o resultado muitas gerações de luta do povo pobre e negro, de resistência das periferias e de organização das mulheres. É a presença que rompe séculos de silenciamento e que exige “parem de nos matar!”. A sua morte condensa toda a crueldade dos nossos tempos e também toda a urgência da nossa palavra.
As narrativas hegemônicas da Globo e do ilegítimo governo Temer tentarão fazer parecer que Marielle e Anderson morreram por que a situação no Rio de Janeiro é “ingovernável” e exige mais intervenção e repressão estatal. Sabemos e sentimos que não. Marielle e Anderson morreram justamente pela existência de um governo neoliberal e para-militar que há anos transformou a doutrina da segurança nacional dos regimes militares em uma doutrina da segurança urbana, que mantém o fusil permanentemente apontado para as favelas.
Esse governo que investe mais em militarização e megaeventos do que em políticas públicas, que congela investimentos sociais e leva a população do Estado a um verdadeiro estado de calamidade e penúria é o principal ator dessa Guerra Suja* que assassinou a Marielle e Anderson. Uma matança justificada na suposta “Guerra às Drogas” que, longe de combater o narcotráfico, contribui para a monopolização do comércio em associação com o Estado.
As balas que mataram Marielle são feitas da mesma matéria que as homenagens feitas por Jair de Bolsoraro aos torturadores e estupradores. Da hipócrisia das declarações do presidente ilegítimo Temer, que desmarcou a sua ida ao Rio onde pretendia capitalizar popularidade com a intevenção militar. Da exigência do comandante do exército, General Villas Bôas, de que não seja instaurada uma nova comissão da verdade para apurar os crimes da intervenção militar.
Marielle foi assassinada poucos dias depois de assumir a relatoria da Comissão instaurada na Câmara Municipal para apurar os crimes da Intervenção Militar. Foi em março, mês em que as mulheres de todo o continente denunciam a militarização e o feminigenocídio dos (des)vernos neoliberais.
Tentaram calar Marielle e calar a todas nós. Mas hoje sua palavra se multiplica e amplifica. Somos milhões ao seu lado. Seguimos a vida e a voz de Marielle. Dizemos não à guerra suja, não á intervenção militar, nem uma a menos, não mais à matança das nossas e dos nossos. Diante da sua morte assumimos um compromisso coletivo de viver. E viver é lutar e resistir.
Marielle Presente! Em nós e na luta!
*Não existe guerra limpa, toda guerra é suja. Utilizo o conceito “Guerra Suja” no sentido que lhe foi dado pelo direito internacional para descrever as guerras que não se declaram como tal e, por isso, não se submetem a qualquer tipo de acordo ou tratado internacional, que correspondem a situações onde o Estado se envolve em crimes hediondos e sistemáticas violações de direitos em condições de guerra muitas vezes não declarada. A didatura na Argentina bem como o a didatura de Franco na Espanha foram historicamente consideradas Guerras Sujas.
